15 de nov. de 2020

SÍNDROME DE GADARENO: entre o placebo e a condenação

 



Marcos narra no capítulo 5 do seu livro a história de um homem que vivia na cidade de Gádara, em uma região chamada decápolis por ser a união de 10 cidades ao sul do mar da Galiléia.


Este homem, ao qual não sabemos o nome, era atormentado, conforme o texto bíblico por espíritos, e vez por outra era tomado de um surto que o levava a cortar-se com pedras e andar de um lado pro outro gritando e atormentando sua comunidade.


Quantos de nós não viram situações parecidas na sua infância ou adolescência? Hoje quase não se vê, mas era muito comum haver pessoas assim circulando pelas ruas e bairros das cidades. Eram aqueles que quando passavam deixavam um rastro de risos por parte daqueles que o viam. Era só serem gritados por seus apelidos que começava a “festa”. Eram xingamentos dos mais excêntricos, envoltos por uma gama de sentimentos, os quais se materializavam em pedras projetadas a ferir. Estes momentos em que o “louco”, o “feio”, a “estranha”, passavam por ali, funcionavam como um “análgésico” para a “loucura”, a “feiura” e para a "estranheza" da sociedade, que projetava naquela pessoa tudo o que julgavam não ser.


Algo que chama a atenção na história do Gadareno é que seus pares o acorrentavam, mas ele sempre conseguia se soltar. Por acaso ele se tornava um “Marvel”? Era, porventura, tomado de alguma super força ou poder mágico, se transformando em uma espécie de Houdini do primeiro século? Ou será que ele não era, propositalmente, aprisionado com correntes quebráveis, para que seus “shows” semanais não deixassem de acontecer?


Se você já percebeu esta mesma disposição de sentimento e conduta em alguém em seus espaços de convivência, observe bem. Pode ser que você esteja diante de alguém com a ‘Síndrome do Gadareno’.


Se analisarmos brevemente o dicionário Aurélio, encontraremos o significado de "síndrome" como uma disfunção do sistema, seja cerebral ou físico. Porém, o que não podemos ignorar é a possibilidade desta tal disfunção se estender ao âmbito social. Não apenas como algo involuntário, mas como um projeto de controle e defesa daqueles que detém o domínio das pessoas, do poder, do cargo, ou até mesmo dos desejos. Os mesmos que dependem de anomalias para que seus status quo permaneçam perenes e estáveis. Ou seja, é a intenção de minimizar o outro para maximizar a si mesmo. 


Às vezes temos a impressão de que precisamos ter a nossa volta uma ou mais pessoas que, pela maldade humana, são taxadas como estranhas no meio em que atuam ou convivem. Projetamos nessas pessoas “defeitos” que inevitavelmente tememos fazerem parte de nós. E o interessante é que, em muitos casos, compartilhamos dos mesmo adjetivos, em gênero, número e grau. É semelhante aquela história da pessoa que prefere sair com amigos considerados aparentemente inferiores porque acredita que assim terá maior visibilidade para possíveis paqueras.


Triste é ver a decepção no rosto das pessoas quando, por algum motivo, lhes faltam os “Gadarenos”, especialmente quando o motivo é o desenvolvimento destes seres considerados desviantes.


Somos constantemente apresentados a esses mecanismos de exposição imoral, tanto nas telas de cinema, quanto nas relações de trabalho, inclusive nas relações de trabalho. Para a continuidade e propagação dessas incongruências comportamentais, faz-se necessário a presença do vilão e do mocinho, do patrão e do empregado, da doença e da cura. É preciso evidenciar o quão o outro é incapaz, para que os defeitos de quem julga não sejam apresentados. Sendo assim, diante de todos esses fatos, temos mais coisas de você do que do outro. Mais de quem fala do que de quem é falado.


A resultante de tudo isso aflora a necessidade da exposição, cumulada com o avanço da internet, temos aqui a Cultura do Cancelamento. Conduta que pode ser entendida como a necessidade de expor de forma pejorativa e/ou julgar o outro para não seja você o trânsito em julgado. 


Será que estão de fato preocupados com o mérito da questão ou querem apenas garantir o lugar ao sol? Ou melhor, o lugar nos trend topics do twitter?


No novo normal, a espetacularização do ridículo se tornou habitual, cultural e, infelizmente, aceitável!


Quando os habitantes de Gádara chegaram e viram o Gadareno vestido e em perfeito juízo, ficaram estarrecidos, não hesitaram em expulsar Jesus da cidade - “imagina se os nossos loucos começam a ficar sãos!?”


Por isso algumas pessoas a sua volta, embora não torçam contra você, embora queiram o seu bem e até mesmo sejam vistas como amigas… Elas temem o seu sucesso, temem que você potencialize seu talento e descubra o seu propósito, temem que você leve a sério seus estudos, seu trabalho, sua dieta… Não necessariamente porque elas o têm com um Gadareno. Na maioria dos casos elas nem percebem que agem assim, deixando de investir na realização dos próprios sonhos, descansam na ideia de que você também permanecerá acomodado ao seu momento na vida, entregue ao acaso. E quando percebem em você algum mover, perdem o chão e se deparam diante de duas situações: inspiram-se na sua atitude ou tentam te acorrentar à acolhedora e aconchegante estagnação.


Portanto, te convidamos a quebrar suas correntes mentais, as amarras do comodismo, das crenças limitantes, das relações tóxicas que nunca irão vibrar de verdade com você. As correntes que te prendem são quebráveis, frágeis, imagináveis. Rompê-las pode doer, mas a sensação de liberdade após a ruptura lhe apresentará infinitas perspectivas. Você poderá experimentar o que significa sonhar e viver os seus sonhos.


Frente às circunstâncias apresentadas, gostaríamos de fazer um questionamento sobre as nossas inter-relações: o distanciamento social acontece em decorrência de uma pandemia ou ele já estava instalado em nossas estruturas (social, econômica, política e espiritual)?


Sabe qual a diferença entre eu, você e outro? Nenhuma! Em cada momento a forma de perceber, interpretar e agir frente às situações cotidianas nos condicionarão a distintos patamares. Ora subjugados e definidos como réus, outrora nos enaltecendo... tomados pela vaidade e o sutil e deletério prazer da soberba. Aspectos representados em nosso comportamento como os doutores da lei, responsáveis por julgar, condenar e decretar a sentença alheia. De qualquer forma, o mais importante é valorizar o protagonismo auspicioso em detrimento do açoite perverso. Não  há uma definição estática e permanente responsável por definir a personalidade ou caráter de alguém. Acreditamos que o bem deve ser fortalecido e disseminado diariamente, em qualquer que seja a ocasião.


Após as inúmeras reflexões e questionamentos apresentados, concluiremos esta abordagem nos reportando a uma citação de Rubem Alves que expressa todo o nosso sentimento descrito neste texto: “uma metáfora vale mais do que todas as explicações”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O grito silencioso que vagueia na (in)consciência: valores, reflexões e a atemporalidade

PERDOEM-nos!!! Mulher, perdão! Não sabemos se devemos gritar ou dizer baixinho de joelhos… Mas uma coisa é certa, antes de iniciar este arti...