29 de nov. de 2020

O grito silencioso que vagueia na (in)consciência: valores, reflexões e a atemporalidade




PERDOEM-nos!!! Mulher, perdão!


Não sabemos se devemos gritar ou dizer baixinho de joelhos… Mas uma coisa é certa, antes de iniciar este artigo, devemos pedi-las perdão! Do “baixo” da nossa arrogância, nos perdoem. Perdoem a mim, a eles, a todos nós. Enfatizamos e temos como referência um fragmento do poema “Aprende”, de Cora Coralina:

“Reconhece teu erro.
Mesmo que custe muito,
ao teu orgulho e vaidade.
Jamais justifique o errado.
“Fulano foi o culpado,”
Arrepender e reparar
é o caminho certo
da Paz espiritual.”

Não, não começamos assim por acreditar que isso vai nos dar o direito de quem sabe sermos ouvidos, lidos e/ou interpretados. Fazemos, por entender - e mais uma vez estamos sendo arrogantes por achar que podemos - todo o mal que lhes fizemos desde o dia em que rompeu-se uma costela. E, talvez, tenhamos nos encontrado no direito de romper carne, osso, alma e coração. Perdoem por não reconhecermos, todos os dias seu protagonismo, por não nos rendermos a sua força, por menosprezarmos sua inteligência sempre tão mais pontual e eficaz que a nossa. Perdoem-nos por limitá-las e subtraí-las nas tomadas de decisão; desde as mais simples, até àquelas que têm o poder de mudar toda uma sociedade, principalmente essas.

Sim, somos indesculpáveis. Nunca houve razão para toda maldade cometida contra vocês e antes de escrever algo que as afeta diretamente, ainda que seja uma forma de denunciar todo o sentimento que lhe é contrário e toda a ação maltratante, precisamos que, mesmo não merecendo, você, Mulher, nos perdoe.

Chico Buarque em sua clássica e insinuante canção retrata a realidade atemporal que circunda as nossas relações… Década de 70, um período conturbado. Censura e tiros para todo lado. Eis que surge uma esperança, um grito de socorro, uma “pausa” na matança. Ela nasce, ou melhor, ela inaugura e renova as energias. Como toda mulher, ela é resistente. Obrigada a engolir o choro e engolir os sapos desse mundo perverso e doentio.

Ela censura a censura, mas é incriminada. Mas, o que é uma sentença para uma sociedade já condenada? É mais fácil julgar o outro e agravar a sua pena, ignorando todos os meus atos, por mais vis que sejam. Terceirizar a culpa é, aparentemente, sempre melhor… pelo menos anestesia o consciente.

Se a sociedade é prisioneira e condenada sem o devido processo legal, lutar pela liberdade é indispensável. E se julgam que o que é meu não é meu, vou distribuir para os outros, já que nada me pertence. Sendo assim, me entregarei nas cantinas, nas garagens, atrás do tanque e no mato.

O caso de Geni foi ambiguamente definido por motivos de benção e de maldição. Tal fato nos mostra que sempre existirão julgamentos sobre o que você faz, reafirmando que a base desse júri dependerá do interesse, por parte de quem julga.

Quando o “dar pra qualquer um” se relacionava apenas a projeção que os “juízes” faziam ao ver em Geni o que temiam que outros enxergassem neles, esse ato revelava a maldição. Porém, quando a única coisa que poderia salvá-los era o “dar pra qualquer um”, converteu-se a sentença em uma benção. Ou seja, pelo mesmo motivo o qual te amaldiçoam hoje, irão te abençoar amanhã. A argumentação que te condena na presente data, poderá ser o futuro habbeas corpus e o juízo opressor e contundente, poderá ser revertido em status de poder.

Ao analisar a perspectiva apresentada, em que ou a quem tem-se dado crédito quando o assunto é você? Quais as definições sobre você mesma(o) tem-se levado em conta? Por quantas vezes deixou-se de acreditar em opiniões que chegam completamente destituídas de amor e/ou empatia de quem, pelo menos naquele momento, não se importava com você? O quanto você se deixa afetar por palavras e gestos, relacionadas a suas ações, de quem não tinha nenhum interesse de auxílio ou prospecção em relação a ti e ao seu bem?

Atualmente temos visto, com certa frequência, inúmeras hastags espalhadas pelos meios de comunicação. Uma das mais comuns é a “#SomosTodos”. #SomosTodos alguma coisa, #SomosTodos alguém. Mas, será que realmente somos? Num universo de pessoas, prazeres, objetivos, hábitos e condutas tão distintos… Seria essa uma forma de exercitar ou demonstrar empatia? Talvez seja um tanto quanto contraditório em meio tantas diferenças ver/ouvir as pessoas afirmarem que lutam por igualdade. Igualdade ou equidade? Luta-se por direitos, mas ao mesmo tempo profetiza-se um discursos em que as diferenças “não devem” ser valorizadas.

Lhes convidamos a algumas reflexões: será que os trechos das belas citações, que vemos espalhadas pelas redes sociais retratam em sua essência a vida e a trajetória de determinadas autoras? Será que conhecemos a história e analisamos o conteúdo implícito? Será que quando somos atacados devemos retribuir na mesma forma e intensidade? Talvez aquela máxima de que cada um oferece o que tem, independente do contexto, seja muito bem representada por Clarice Lispector.

Ó Geni… O teu DNA se perpetua entre nós. Na indefinida distinção interpretativa entre a mocinha e vilã. Ora absolvida, e comumente, por vezes condenada. E como disse Nina Simone: “Eu podia cantar para ajudar meu povo e isso se tornou o principal esteio da minha vida. Nem o piano clássico, nem a música clássica, nem mesmo a música popular, mas a música dos direitos civis.”

O mais intrigante é que iniciamos o dia 08 de março ouvindo: “Dizem que a mulher é um sexo frágil… Mas que mentira absurda!” O dia passa, flores são dadas, mensagens são feitas e abraços são concedidos. Porém, Aaaah … O porém! Sempre existe essa conjunção (até mesmo a carnal). Porém, temos que falar do dia 09 de março, ou do dia 07 de março, ou melhor, de todos os outros dias do ano. De todas as nossas ações e omissões frente as tratativas ao gênero feminino.

No dia 08 de março, Geni receberia flores, chocolates, uma pedrada, um abraço ou uma cusparada? Nossa obrigação, como cidadãos, é fortalecer e disseminar o respeito. Devemos impedir que a pedra seja atirada, evitar que seja expelido pela boca qualquer líquido corrosivo à moral e à estética feminina. Saibamos expelir e disseminar o amor! Que todo dia, seja 08 de março. Que todo dia 08 de março possamos abraçar e amparar todas as Genis, todas as Marias, todas as Penhas, todas as Anas, todas as Sônias, todas as Veras e Evas.

Se a Valeska quer ser popuzada, ela pode. E se pode, é porque a Geni se transvestiu, inconscientemente, de escudo. Quantas Genis vemos todos os dias? Quantas Elzas? Ninguém, absolutamente ninguém, sairá impune ao tacar pedra na Geni. Porque as inúmeras Genis conseguiram, diante de agressões diárias, queimaduras profundas, ataques constantes e incessantes, que decretassem a Lei 11.340 (Lei Maria da Penha).

Segue a resistência! Não esquecer dos esquecidos, faz-se necessário. Se for para enfrentar esse mundo de cão, que seja para ser representante dos infortunados, que seja para ser marcado na história e registrado na memória. Falar, todos falarão… até mesmo em um cenário de censura. Falar, todos falarão... ora por sua inércia, outrora por suas ações. Por que seria Geni a responsável por (des)agradar a todos!?

Até quando a nossa postura ilibada sustentará o “fakenismo” da sociedade? Atirar a pedra na Geni seria a condicionante para absolvição da nossa culpa? Mas, se a Geni é vista em alguns momentos como um poço de bondade poderia ser comparada a algo tão insano como “O POÇO”? Ora, seria Geni a sensitiva que previa o futuro ou será não há futuro? O que sabemos é que nada mudou. O tempo se tornou atemporal, fazendo como que sejamos apenas ponteiros sem marcações. 

Somos incontrolavelmente curiosos para saber: quem é a Geni? Quem é essa sociedade? Entretanto, a real e mais importante pergunta é: quem somos nós?

Diante de tudo isso, não podemos ser omissos. Eis de te apoiar, e caso queiram queimar mais sutiãs, a nossa primeira ação será: de quantos isqueiros vocês precisam? É o momento do “basta”. Chega de pedradas e fogueiras. Chega de tanques e vasilhas. Chega de domesticação. Vocês nasceram para voar. 

Perdoa-nos por inferir que a culpa foi somente da Eva ao comer a maçã. Essa culpabilização de gêneros é que adoece a humanidade. Que sejamos travestidos de coragem e disposição para romper as barreiras e os paradigmas do preconceito!

O sábio Raul nos apresentou em uma de suas canções a seguinte mensagem: “Segura a minha mão, quando ela fraquejar, e não deixe a solidão me assustar, oh! minhã mãe, nossa mãe, e mata a minha fome, na glória do seu nome. Oh! minha mãe, nossa mãe, e mata a minha fome na letra do seu nome”. Devido ao teor efêmero da vida, devemos (re)lembrar que nunca somos, estamos. E, indiferente do gênero: GeniAL.

15 de nov. de 2020

SÍNDROME DE GADARENO: entre o placebo e a condenação

 



Marcos narra no capítulo 5 do seu livro a história de um homem que vivia na cidade de Gádara, em uma região chamada decápolis por ser a união de 10 cidades ao sul do mar da Galiléia.


Este homem, ao qual não sabemos o nome, era atormentado, conforme o texto bíblico por espíritos, e vez por outra era tomado de um surto que o levava a cortar-se com pedras e andar de um lado pro outro gritando e atormentando sua comunidade.


Quantos de nós não viram situações parecidas na sua infância ou adolescência? Hoje quase não se vê, mas era muito comum haver pessoas assim circulando pelas ruas e bairros das cidades. Eram aqueles que quando passavam deixavam um rastro de risos por parte daqueles que o viam. Era só serem gritados por seus apelidos que começava a “festa”. Eram xingamentos dos mais excêntricos, envoltos por uma gama de sentimentos, os quais se materializavam em pedras projetadas a ferir. Estes momentos em que o “louco”, o “feio”, a “estranha”, passavam por ali, funcionavam como um “análgésico” para a “loucura”, a “feiura” e para a "estranheza" da sociedade, que projetava naquela pessoa tudo o que julgavam não ser.


Algo que chama a atenção na história do Gadareno é que seus pares o acorrentavam, mas ele sempre conseguia se soltar. Por acaso ele se tornava um “Marvel”? Era, porventura, tomado de alguma super força ou poder mágico, se transformando em uma espécie de Houdini do primeiro século? Ou será que ele não era, propositalmente, aprisionado com correntes quebráveis, para que seus “shows” semanais não deixassem de acontecer?


Se você já percebeu esta mesma disposição de sentimento e conduta em alguém em seus espaços de convivência, observe bem. Pode ser que você esteja diante de alguém com a ‘Síndrome do Gadareno’.


Se analisarmos brevemente o dicionário Aurélio, encontraremos o significado de "síndrome" como uma disfunção do sistema, seja cerebral ou físico. Porém, o que não podemos ignorar é a possibilidade desta tal disfunção se estender ao âmbito social. Não apenas como algo involuntário, mas como um projeto de controle e defesa daqueles que detém o domínio das pessoas, do poder, do cargo, ou até mesmo dos desejos. Os mesmos que dependem de anomalias para que seus status quo permaneçam perenes e estáveis. Ou seja, é a intenção de minimizar o outro para maximizar a si mesmo. 


Às vezes temos a impressão de que precisamos ter a nossa volta uma ou mais pessoas que, pela maldade humana, são taxadas como estranhas no meio em que atuam ou convivem. Projetamos nessas pessoas “defeitos” que inevitavelmente tememos fazerem parte de nós. E o interessante é que, em muitos casos, compartilhamos dos mesmo adjetivos, em gênero, número e grau. É semelhante aquela história da pessoa que prefere sair com amigos considerados aparentemente inferiores porque acredita que assim terá maior visibilidade para possíveis paqueras.


Triste é ver a decepção no rosto das pessoas quando, por algum motivo, lhes faltam os “Gadarenos”, especialmente quando o motivo é o desenvolvimento destes seres considerados desviantes.


Somos constantemente apresentados a esses mecanismos de exposição imoral, tanto nas telas de cinema, quanto nas relações de trabalho, inclusive nas relações de trabalho. Para a continuidade e propagação dessas incongruências comportamentais, faz-se necessário a presença do vilão e do mocinho, do patrão e do empregado, da doença e da cura. É preciso evidenciar o quão o outro é incapaz, para que os defeitos de quem julga não sejam apresentados. Sendo assim, diante de todos esses fatos, temos mais coisas de você do que do outro. Mais de quem fala do que de quem é falado.


A resultante de tudo isso aflora a necessidade da exposição, cumulada com o avanço da internet, temos aqui a Cultura do Cancelamento. Conduta que pode ser entendida como a necessidade de expor de forma pejorativa e/ou julgar o outro para não seja você o trânsito em julgado. 


Será que estão de fato preocupados com o mérito da questão ou querem apenas garantir o lugar ao sol? Ou melhor, o lugar nos trend topics do twitter?


No novo normal, a espetacularização do ridículo se tornou habitual, cultural e, infelizmente, aceitável!


Quando os habitantes de Gádara chegaram e viram o Gadareno vestido e em perfeito juízo, ficaram estarrecidos, não hesitaram em expulsar Jesus da cidade - “imagina se os nossos loucos começam a ficar sãos!?”


Por isso algumas pessoas a sua volta, embora não torçam contra você, embora queiram o seu bem e até mesmo sejam vistas como amigas… Elas temem o seu sucesso, temem que você potencialize seu talento e descubra o seu propósito, temem que você leve a sério seus estudos, seu trabalho, sua dieta… Não necessariamente porque elas o têm com um Gadareno. Na maioria dos casos elas nem percebem que agem assim, deixando de investir na realização dos próprios sonhos, descansam na ideia de que você também permanecerá acomodado ao seu momento na vida, entregue ao acaso. E quando percebem em você algum mover, perdem o chão e se deparam diante de duas situações: inspiram-se na sua atitude ou tentam te acorrentar à acolhedora e aconchegante estagnação.


Portanto, te convidamos a quebrar suas correntes mentais, as amarras do comodismo, das crenças limitantes, das relações tóxicas que nunca irão vibrar de verdade com você. As correntes que te prendem são quebráveis, frágeis, imagináveis. Rompê-las pode doer, mas a sensação de liberdade após a ruptura lhe apresentará infinitas perspectivas. Você poderá experimentar o que significa sonhar e viver os seus sonhos.


Frente às circunstâncias apresentadas, gostaríamos de fazer um questionamento sobre as nossas inter-relações: o distanciamento social acontece em decorrência de uma pandemia ou ele já estava instalado em nossas estruturas (social, econômica, política e espiritual)?


Sabe qual a diferença entre eu, você e outro? Nenhuma! Em cada momento a forma de perceber, interpretar e agir frente às situações cotidianas nos condicionarão a distintos patamares. Ora subjugados e definidos como réus, outrora nos enaltecendo... tomados pela vaidade e o sutil e deletério prazer da soberba. Aspectos representados em nosso comportamento como os doutores da lei, responsáveis por julgar, condenar e decretar a sentença alheia. De qualquer forma, o mais importante é valorizar o protagonismo auspicioso em detrimento do açoite perverso. Não  há uma definição estática e permanente responsável por definir a personalidade ou caráter de alguém. Acreditamos que o bem deve ser fortalecido e disseminado diariamente, em qualquer que seja a ocasião.


Após as inúmeras reflexões e questionamentos apresentados, concluiremos esta abordagem nos reportando a uma citação de Rubem Alves que expressa todo o nosso sentimento descrito neste texto: “uma metáfora vale mais do que todas as explicações”.

O grito silencioso que vagueia na (in)consciência: valores, reflexões e a atemporalidade

PERDOEM-nos!!! Mulher, perdão! Não sabemos se devemos gritar ou dizer baixinho de joelhos… Mas uma coisa é certa, antes de iniciar este arti...